A Lei de IA da UE é criticada por falhas na proteção de direitos autorais, deixando criadores vulneráveis ao uso indevido de suas obras por IA generativa. Especialistas pedem mais transparência e regulamentação.
Publicado em: 21, fevereiro 2025
Bruxelas, 21 de fevereiro de 2025
Uma lacuna na legislação da Lei de Inteligência Artificial da União Europeia (AI Act) está deixando escritores, músicos e outros criadores desprotegidos contra o uso indevido de suas obras por sistemas de IA generativa, alertam especialistas e organizações culturais.
A crítica vem de Axel Voss, parlamentar alemão do Partido Popular Europeu e um dos principais arquitetos da Diretiva de Direitos Autorais da UE de 2019, que afirmou que a legislação atual não foi projetada para lidar com os desafios impostos pela inteligência artificial generativa – tecnologia capaz de criar textos, imagens e músicas a partir de comandos simples.
De acordo com Voss, a finalização da Lei de IA deixou uma “lacuna legal” que impede a aplicação efetiva dos direitos autorais nesse novo contexto. "Não entendo por que estamos apoiando as grandes empresas de tecnologia em vez de proteger as ideias criativas europeias", afirmou ele.
A preocupação também foi expressa por 15 organizações culturais, que enviaram uma carta à Comissão Europeia criticando os regulamentos preliminares da lei. Segundo o documento, as novas regras representam um retrocesso na proteção dos direitos autorais, deixando artistas e criadores vulneráveis.
O avanço das ferramentas de IA, como o ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, e o gerador de imagens DALL·E, trouxe preocupações sobre o uso massivo de materiais protegidos por direitos autorais no treinamento dessas tecnologias. Obras literárias, artigos jornalísticos, ilustrações e composições musicais estão sendo utilizadas por essas ferramentas sem a devida remuneração aos criadores.
Muitos artistas e escritores alegam que suas obras foram incorporadas a modelos de IA sem permissão ou transparência. Nina George, escritora alemã e presidente honorária do Conselho Europeu de Escritores, chamou a brecha na Lei de IA de "devastadora" e destacou que os criadores não têm meios para verificar se suas obras foram usadas para treinar modelos de IA.
Aafke Romeijn, compositora e integrante da Aliança Europeia de Compositores e Letristas, apontou que não há um método viável para que artistas optem por excluir seus trabalhos do uso por IA. Atualmente, empresas de tecnologia não são obrigadas a divulgar detalhes sobre os dados utilizados no treinamento de seus modelos de inteligência artificial.
A Lei de IA exige que as empresas respeitem a legislação de direitos autorais da Diretiva de 2019, que inclui uma exceção para text and data mining (TDM) — permitindo o uso de materiais protegidos para extração e análise de dados.
Contudo, Voss argumenta que essa isenção foi interpretada de forma errada e abusiva, favorecendo o uso indiscriminado de conteúdos criativos por grandes empresas de IA. Segundo ele, a cláusula não foi concebida para permitir que gigantes da tecnologia explorem vastos volumes de propriedade intelectual sem compensação.
Um estudo acadêmico realizado pelos pesquisadores Tim Dornis e Sebastian Stober reforçou essa visão, concluindo que o uso de materiais protegidos no treinamento de IA não pode ser classificado como mineração de dados, mas sim como infração de direitos autorais.
A Comissão Europeia declarou estar ciente das preocupações e afirmou que está avaliando medidas adicionais para garantir um equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção dos direitos autorais. No entanto, não há garantias de que uma nova legislação será proposta no curto prazo.
Enquanto isso, artistas e criadores seguem sem mecanismos eficazes para defender seus direitos. Para muitos, a única opção seria recorrer à justiça, mas o alto custo e a complexidade dos processos tornam essa alternativa pouco viável.
Romeijn criticou essa realidade, afirmando que pedir para artistas "simplesmente processarem as big techs" é impraticável. "Quem realmente tem condições de levar uma grande empresa de tecnologia ao tribunal?", questionou.
A falta de clareza na Lei de IA da União Europeia está criando um vácuo regulatório que pode impactar profundamente os criadores de conteúdo. Enquanto grandes empresas de tecnologia continuam a desenvolver modelos de IA baseados em materiais protegidos por direitos autorais, artistas, escritores e músicos lutam por mais transparência e compensação justa.
A pressão sobre a Comissão Europeia para revisar e fortalecer a legislação cresce a cada dia, mas o futuro da proteção dos direitos autorais na era da IA ainda permanece incerto.